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sem medo de errar
Vamos resolver a nossa situação-problema utilizando os conhecimentos que aprendemos nesta seção. Desta vez nos deparamos com o gestor de uma Unidade de Saúde da Atenção Primária que deveria implementar medidas para controle e melhoria da situação relacionada a algumas doenças crônicas, como diabetes e hipertensão. A partir disso, é preciso também escolher o modelo de saúde em que baseará suas ações.
Como você já sabe, o gestor está lidando com um pequeno município do interior do Brasil, cuja população é de baixo nível socioeconômico, de baixa escolaridade, tem saneamento básico precário, é composta predominantemente de pessoas acima dos 55 anos e tem um número expressivo de indivíduos com doenças crônicas não-transmissíveis, como diabetes e hipertensão arterial.
É nesse contexto que podemos notar que as variáveis socioeconômicas e ambientais são tão importantes quanto as doenças que atingem essa população, o que nos leva a pensar sobre modelos de saúde mais abrangentes e que contemplem o indivíduo como um todo (ser holístico). Nesse contexto podemos ressaltar o modelo da história natural da doença.
As medidas a serem tomadas pelo novo gestor para o controle da situação poderiam ser:
- Aumentar os estoques de anti-hipertensivos e de medicamentos para controle do diabetes.
- Distribuir folhetos educativos para alertar sobre os perigos dessas doenças.
- Aumentar o número de aparelhos para medir pressão arterial e níveis de glicemia.
- Pedir a contratação de mais profissionais da saúde para a unidade.
As possíveis ações para o manejo da situação podem se basear nos períodos que esse modelo estabelece:
Ações do período pré-patogênico
- Conceito: ações de promoção de saúde que visam evitar que haja a interação entre indivíduo e agente patogênico.
- Ações possíveis: essas ações podem envolver as questões ambientais, como a instalação de rede de esgoto e tratamento de água na região afetada, além de outras medidas juntamente às autoridades locais competentes, que vão impedir o adoecimento populacional e melhorar a qualidade de vida. Ações conjuntas com a secretaria da educação para promover programas de alfabetização para adultos. Ações de educação para promoção de saúde e prevenção de doenças que serão descritas com maiores detalhes adiante.
Ações do período patogênico
- Conceito: ações que visam à detecção precoce de doenças, prevenção de agravos, redução de incapacidades e reabilitação.
- Ações possíveis: elaboração de campanhas para diagnóstico de doenças crônicas mais comuns, como o diabetes e a hipertensão arterial. Programa de acompanhamento e capacitação dos portadores dessas doenças e/ou de seus cuidadores com diversas atividades que promovam educação em saúde e estimulem o autocuidado com a participação da equipe multiprofissional. Rastreamento dos usuários inativos nesses programas e criação de estratégias que assegurem a adesão ao tratamento dessas doenças. Visita domiciliar da equipe de saúde para garantir o cuidado aos que não têm acesso à Unidade de Saúde, entre outras ações.
- Estratégias educativas para a situação-problema: oficinas educativas com diversos temas relacionados à saúde, ao bem-estar e à alimentação; desenvolvimento de dinâmicas de grupo e dramatizações; capacitação para cuidadores; visitas domiciliares; utilização do contato telefônico para orientações, entre outras possibilidades.
Lembre-se de que essas são apenas algumas possibilidades. Outras ações e estratégias também poderiam atingir bons resultados para a resolução da situação apresentada. Ter flexibilidade, criatividade e raciocínio crítico é essencial para pensar soluções em saúde, independentemente do contexto que você enfrentará futuramente em sua vida profissional! Mas diga: você consegue pensar em outras soluções possíveis? Vá em frente!
Avançando na prática
De volta ao modelo biomédico
Imagine a seguinte situação: dona Ana e Sr. Osvaldo são casados há muitos anos, são católicos, sitiantes, têm seis filhos adultos, residem sozinhos na casa e ambos são analfabetos e de baixa renda. Os dois são idosos, hipertensos, têm problemas com colesterol e diabetes. Eles tinham consulta marcada na Unidade de Saúde e, pela primeira vez em mais de dez anos, dirigem-se à unidade. Ao chegar na consulta, são recebidos pelos profissionais da triagem, que fazem algumas perguntas sobre o que eles estão sentindo, verificam alguns sinais vitais e perguntam acerca de outras doenças prévias, depois do que ambos são direcionados para o atendimento médico.
Ao final do atendimento, o profissional decide prescrever uma série de medicações ao casal, muitas delas que não são encontradas na farmácia da unidade. Dá ainda algumas recomendações quanto à dieta rica em frutas, legumes, grãos e outros produtos específicos.
Alguns meses se passam após a consulta e Sr. Osvaldo volta à unidade alegando dor forte na nuca e “tonteira”. É verificada a sua pressão arterial e percebe-se que ele está com a pressão muito elevada, além de apresentar também outros problemas.
Ao ser questionado sobre a origem desses problemas, os profissionais descobrem que Sr. Osvaldo, bem como sua esposa, não estavam seguindo o tratamento da forma como fora prescrito, pois eram analfabetos e não haviam conseguido entender as orientações da receita médica, nem comprar alguns dos medicamentos prescritos, confundindo por vezes os horários e a ordem da ingestão deles. Além do mais, não haviam adotado as orientações quanto à alimentação, pois não tinham acesso a boa parte dos alimentos necessários, pois alguns eram caros demais para comprar. Segundo o que aprendemos sobre o modelo biomédico, esses problemas poderiam ter sido evitados? Quais medidas poderiam ter sido tomadas? O que pode ser feito daqui para frente para assegurar a adesão às medidas que foram prescritas? Se você fosse um dos profissionais de saúde envolvidos nesse atendimento, como responderia a essas demandas?
Nesta situação, deparamo-nos com o atendimento de um casal de idosos em uma unidade de saúde. Considerando a situação apresentada, nossa demanda estava pautada em destacar uma perspectiva sobre as ações, dentro do modelo biomédico, que poderia ser efetivada para assegurar a adesão ao tratamento e para trazer melhorias aos pacientes.
Podemos ver, neste caso, uma forte influência do modelo biomédico. Embora pareça distante, casos como este ocorrem rotineiramente na prática clínica por todo Brasil e em outros lugares do mundo.
Vamos analisar as condutas realizadas durante o atendimento para comparar com o que poderia ter sido feito de diferente.
Condutas do atendimento, segundo a descrição da situação:
- Entrevista direcionada exclusivamente aos problemas de saúde que os pacientes apresentavam.
- Prescrição de medicações sem evidências de orientação sobre os detalhes da prescrição, como posologia, eventuais efeitos adversos e outras orientações que determinam o uso correto dos medicamentos, considerando as caraterísticas dos pacientes.
- Prescrição de medicamentos e recomendações para a alimentação fora da realidade econômica e/ou social dos indivíduos.
- Falta de atuação apropriada da equipe multiprofissional em boa parte do atendimento.
Conduta ideal:
- Para além das questões biomédicas, inicialmente, na entrevista, o casal deveria ter sido questionado sobre o contexto em que vive, o contexto sanitário em que se encontra, as questões socioeducacionais e econômicas.
- Se houvesse uma interação entre as questões socioeconômicas e culturais dos pacientes, seria possível saber que são analfabetos e que, portanto, necessitariam de maiores esforços nos processos de educação em saúde. Além da explicação direcionada na consulta, outros meios poderiam ter sido utilizados, como sistema de cores ou gravuras com horários específicos, bem organizado nas caixas para evitar confusão. Essa responsabilidade não é apenas do profissional médico, mas de toda equipe multiprofissional de saúde na Atenção Primária. É importante que haja integração dos saberes da enfermagem, da farmácia, da psicologia, da assistência social, entre outros campos do conhecimento.
- É possível e necessário adaptar a indicação de dietas, medicações e terapias, para que o indivíduo possa sempre ter acesso ao que foi prescrito. Optar por medicações e tratamentos fornecidos gratuitamente pelo Sistema de Saúde. O mesmo se aplica à prescrição de dietas que sejam acessíveis, levando em conta os gostos e aspectos culturais do indivíduo.
Sr. Osvaldo teve complicações que poderiam ter sido evitadas com um pouco mais de atenção por parte da equipe. Cabe aos profissionais corrigir esse erro prestando a assistência necessária para evitar agravos ainda piores e aplicando todas as condutas já mencionadas para que o casal possa finalmente compreender, internalizar e incorporar em seu dia a dia o tratamento adequado.
Para além disso, outras estratégias de acompanhamento e de educação em saúde devem ser ofertadas ao casal para garantir o aprendizado em saúde e para torná-los conscientes e ativos nas decisões que afetam sua saúde. Consegue pensar em algumas? Vamos lá, coloque a mão na massa e tente resolver essa situação de outra maneira!